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Especial para Militares

Cleber Olympio




Lucas 3:14: "E uns soldados o interrogaram também, dizendo: E nós que faremos? E ele lhes disse: A ninguém trateis mal nem defraudeis, e contentai-vos com o vosso soldo"

  

O evangelho de Lucas narra a conhecida história de João Batista, a "voz que clama no deserto" profetizada por Isaías havia setecentos anos antes de seu nascimento.

João Batista era separado para uma missão: preparar os caminhos do Senhor e endireitar suas veredas. Para isso, ele pregava anunciando a vinda iminente do Messias, além do batismo de arrependimento para remissão dos pecados. Vivendo de maneira praticamente asceta - sem o vício terrível do ascetismo, com seus modos e manias cheios de torpeza - refletindo disciplina de alguém separado para uma missão toda especial, o "maior nascido de mulher" exortava o povo ao verdadeiro Evangelho. Nisso foi interpelado por vários do povo: judeus, publicanos, inclusive os militares, possivelmente a serviço do colonizador romano. A estes, três recomendações que aparentemente nada respondem, mas falam incisivamente ao seu estilo de vida: a ninguém tratem mal, a ninguém defraudem e contentem-se com o soldo que recebem. Nisso temos reflexões preciosas para o guerreiro de hoje.

Antes, porém, de passarmos à análise desses três pontos, destaquemos que a pregação foi específica, dirigida de modo estrito aos motivos de corrupção de cada grupo que dirigiu a palavra a João Batista, procurando-o para o batismo de arrependimento de seus pecados. Note o leitor que, para o grupo de militares, a palavra foi mais extensa em quantidade de conselhos do que para a proferida ao povo e aos publicanos: isso não ocorreu à toa.

 

1. A ninguém tratem mal

É bem sabido do leitor militar que os castigos corporais eram uma forma de punição bastante comum em tempos antigos, e ainda o são em diversas sociedades mais tradicionais e pouco "humanizadas". Castigos corporais em demasia provocaram a Revolta da Chibata há 100 anos, na Marinha de Guerra brasileira. Há chibatas, entretanto, que doem mais que as físicas, daí que não é a intenção do momento trazer opinião sobre os métodos que eram empregados até então para disciplina dos insubordinados na tropa. E nem esse era o foco de João Batista em sua pregação.

A questão reside no abuso do poder, no arbítrio, no mau uso das prerrogativas hierárquicas para fazer valer opiniões, ideias ou métodos. É a imposição da vontade sem razão de ser, seja na cadeia de comando, seja diante dos paisanos. É usar do posto ou graduação para conseguir favores, peruar conceitos, plantar influências interesseiras na unidade. É desprezar um elo mais fraco, dizer que ele não possui razão em ponderar - sendo que muitos indícios apontam que ele está certo em querer se manifestar -, negar-lhe recurso, meios de defesa, coagi-lo a desistir de sua legítima manifestação, seja em favor próprio, seja em prol de algum companheiro. É desprezar o outro por ser praça por ser de cor negra, parda ou indígena; por ser não combatente; por não ser da mesma Escola de Formação predominante; por não pertencer ao corpo, quadro, arma ou serviço da maioria dos presentes; por estar sob investigação policial militar; por ser ele motivo de todos receberem uma repreensão enérgica do superior na cadeia de Comando. É preferir uma pessoa à outra por conta de seu posto, sua influência na sociedade, ou até mesmo por ela ser crente e o outro ímpio. É plotar o moral e a fibra de um guerreiro por uma "integração" abusada, humilhante e degradante. É manifestar desprezo por uma pessoa que não seja militar.

Como se vê, exemplos existem aos montes. É redundante afirmar que cada qual que lê esse texto já testemunhou tais abusos. Se é que não foi autor de um deles, por intenção própria ou influenciado por um vício no "esprit-du-corps". Jesus não teria sido humilhado como o foi, ao receber coroa de espinhos, túnica que lhe escondesse as manchas de sangue e uma vareta, se não houvesse a aplicação do princípio dado agora por João Batista.

A ninguém maltrateis. A ninguém. Ser rigoroso na disciplina, firme na postura, repreender energicamente as falhas, desde que com justiça e bom-senso, é prerrogativa de um bom guerreiro. Estabelecer bons relacionamentos é igualmente bizurado. Integrar, sem escrachar, também; afinal, o mais moderno precisa fazer parte de um grupo, e isso envolve brincadeiras saudáveis. Maltratar não é o caso.

 

2. A ninguém defraudem.

"Defraudar" carrega o sentido de não uso de fraude contra alguém, acusando-a de algo que ela não fez. Outras versões bíblicas traduzem esse trecho como "não deis denúncia falsa" (IBB,RA, Soc. Bíblica Britânica). É usar de palavra para prejudicar alguém. O chamamento de João Batista é relativo à integridade pessoal.

Integridade é um termo com múltiplos significados. Tanto pode representar o comportamento de quem age com inteireza de coração, quanto o de demonstrar retidão de caráter, sabendo que um ato pessoal pode ajudar ou prejudicar outras pessoas. Para o cristão - parafraseando Joel A. Freeman, em seu livro "Como viver com sua consciência sem enlouquecer", é viver de maneira digna para o Alto, para Deus ("UPtegrity"), para consigo mesmo ("INtegrity") como para os demais ("OUTegrity"). Infelizmente o que se nota é o elemento que, embora fardado, mancha a integridade da Instituição pela qual jurou defesa até a morte, delatando seus companheiros, sendo um S2 extraoficial, afim de peruar promoções e favores de mais graduados; outros abusam do poder que julgam ter para atentar contra e até destruir a reputação do seu desafeto. Não raro se veem brigas, inclusive físicas, com resultado morte, por causa de atentados à honra de alguém. Uns preferem outros, por mais errados que estes estejam, por terem no passado dividido o mesmo sanhaço de turma, pelo infrator ter sido seu canga em alojamento, ou porque o outro é neto de um oficial-general da reserva. Não são incomuns as pessoas que vendem tudo o que têm - até seus corpos - para obterem promoções, preencherem claros em unidades mais bizuradas, ou estarem na próxima lista para promoção por merecimento ou mesmo para deixarem o serviço ativo. Que tipo de comportamento é esse, ô militar? Que falta de honra é essa? Onde estão os brios de quem age dessa maneira? Tudo isso, especialmente o atentado à honra alheia, é acusar falsamente alguém, e de acusador mentiroso já basta satanás. Usar mau de uma prerrogativa hierárquica legítima para defraudar alguém é demonstrar falta de caráter, valores que, mais que importantes na caserna, são fundamentais para o cristão militar.

 

3. Contentem-se com o soldo que recebem

Ah, o soldo... uma velha fonte de reclamação da vida do militar, e por isso tantos querem prestar concurso para a Polícia Federal! Ah, o soldo... e por isso tantos buscam deixar os "minguados cobres" da vida de um praça para serem vigilantes nas horas vagas! Ah, o soldo... e por isso outros mais ambiciosos usam da farda para "agüentarem um tempo" (de cinco anos, para não terem de pagar indenização aos cofres públicos) e depois saírem para a carreira paisana da iniciativa privada, por conta dos "benefícios" e se esquecerem do passado de dependentes de FUSEX e outros sistemas previdenciários.

Se ao menos o papiro fosse condizente com o interesse pelo ingresso na carreira militar - algo tão difícil nos dias atuais - o elemento constataria que, historicamente, o soldo do militar é reduzido. Isso é uma forma de controle para evitar ambições financeiras, criar mercenários nas Forças e produzir burocratas que cuidam dos próprios interesses, sobretudo dos econômicos. Com isso, muitos de alma nada militar passariam bem longe das fileiras e dos portões de uma unidade.

Por não se contentarem com o próprio soldo, muitos pecam com a língua e dissuadem companheiros de farda e de corpo de tropa a saírem da carreira e conseguirem "algo melhor", pois "os tempos são outros", o "Governo não vai dar nada" e "é melhor ralar para uma carreira paisana que não te faça pegar escala vermelha". O que importa é peruar vaga em instituições cujo salário de aluno do Curso de Formação seja superior ao de Aspirante-a-Oficial da Força Armada.

Por isso vemos que Deus é sábio. Ele não dá uma bênção a alguém para que esta seja desperdiçada. Deus não dá uma Ferrari a um bebê. Que adianta um polpudo salário a quem não sabe como empregá-lo? Que adianta acumular tantos bens sem o contentamento de fazer algo que valha a pena? Certamente o progresso profissional de alguém é interessante, ainda que este venha a ingressar na reserva, mas... a troco de uns bons cobres a mais na conta bancária?

Oh, quão bom é o contentamento! Ele nos faz ter o necessário para viver sem reclamar ou desperdiçar. O apóstolo Paulo sabia passar tanto abastança quanto necessidade; "em tudo e em todas as coisas sei o que é ter fartura e ter fome, ter abundância e padecer necessidade" (Fp 4:12). Ele, se combatente fosse, não murmuraria com comida do rancho, pois sabe comer tanto o "frango-explodido" quanto o canapé da data comemorativa na unidade.

A pessoa que se contenta sabe fazer suas contas e viver com o necessário. Tudo o que puder acrescer à renda - e afirmativo, senhores, o bizu é investir em várias fontes de renda para obter melhores ganhos - lhe é bem vindo para que haja abastança na sua casa. Se apertar as contas, não será por imprudência de comprar o que não se pode sustentar para pagar embuste ao chegar no estacionamento da unidade. A vida militar impõe sacrifícios e adaptações, entre eles o pouco ganho, e equiparar-se a outras funções e cargos públicos é ser no mínimo desonesto. O mundo não deixará de ser injusto até a volta de Cristo; nem por isso o guerreiro se suicidará, ou acabará com sua carreira, para consertar as coisas e livrar a sua pele. Melhor seria se não tivesse entrado! Que Deus tape a boca imunda daqueles que espalham nos cursos de formação os bizus para prestar concurso em instituições fora da Força, a fim de fazer tudo em prol do lucro, desprezando a farda que veste e o investimento que seu País faz em seu preparo!

Essa preocupação com o soldo é milenar. Se o soldo não aumenta, cabe ao guerreiro usar-se dos meios de viração própria e estabelecer um orçamento familiar. Reclamar é muito fácil; difícil é reconhecer a provisão de Deus para as necessidades básicas do militar e de seus dependentes.

 

Conclusão

Como visto, os conselhos dados por João Batista são, de fato, atuais. O que impressiona é que os três pontos influenciam a vida do militar como um todo, e lidam com questões fundamentais, como o bom uso da autoridade, a preservação da integridade e o contentamento com os recursos que recebe. Sua incumbência como militar é algo que denota a manutenção de valores firmes de vida, de sabedoria e de entendimento, que não podem ser afastados por influência dos próprios pensamentos ou de idéias trazidas por sistemas que, em si mesmos, são contaminados pelo pecado, uma vez que são instituições que partem do ser humano.

Que o militar de Jesus seja fiel a Deus e à sua Palavra, e se abstenha de desobedecer aos sábios conselhos dados por João Batista, o precursor do ministério de Cristo na sua primeira vinda.

 

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